segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Travessia 7C - O Retorno às corcovas do dragão




Durante o ano de 2013  acabamos montando a Equipe Tiamat,  reunião (em número limitado) de trekkeiros de Floripa todos indicados,  com objetivo de formar uma equipe de montanhismo que praticasse com regularidade , gostasse do perrengue e assim teríamos um custo mais baixo pra ir pra montanha e companhia agradável e competente nas empreitadas pela serra. Deu muito certo, as pessoas que foram  sendo indicadas já entravam sabendo que ali não era grupo de passeio pra tirar foto em dia de sol e tampouco seriam  levados pela mão, a responsabilidade era de cada um contando claro com a orientação dos mais antigos.
Natural que depois de fazermos  as montanhas clássicas do Ibitiraquire , Joinville , Araçatuba , Monte crista, Serra dos Órgãos , Conjunto Marumbi completo, PP ,  além de duas idas ao K2 paranaense , o Ciririca (uma de ataque e outra com acamp) o encerramento tinha que ser algo mais desafiador.  insistiu na 7C embora uma travessia pesadíssima e que exige mais que preparo físico, muito mental e logística não só pra atravessar as 7 montanhas mas chegar na estrada da Conceição inteiro pra caminhar mais 7 km (intermináveis) até a fazenda em Bairro Alto.
Como calor de dezembro aumentando e já tendo acontecido a festinha de encerramento da Equipe na casa do Chico Tessaro em Águas Mornas, os trabalhos pra mim estavam finalizados. Quando o alguém  falava em fazer a 7C eu desconversava dizendo que a serra já estava perigosa com tanto calor, bichos peçonhentos e risco de  trovoadas de fim de tarde nos cumes. Mesmo assim a 7C continuava rondando nossas cabeças, foi marcada umas 3 vezes e desmarcada  , veio o natal e parecia fora de cogitação ela acontecer, ainda mais com a onda de calor que se aproximava.
Mas alguma coisa  move os mais intrépidos impedindo que estes se acomodem na zona de conforto, , marcamos novamente  pros dias  28 e 29 de dezembro  e provocou os convocados , escolhidos  dentro da equipe : “ quem vai perder de fechar com chave de ouro a travessia mais nervosa do Ibitiraquire?” Os mais sangue nos olhos nem pensaram duas vezes, deram um passo a frente e deixaram de lado os planos de fim de ano pra enfrentar seus limites, todos deixaram compromissos e a tentação de se dar por satisfeito com o ano cheio de conquistas que tivemos , pra ir enfrentar o maior de todos, a travessia 7C de autoria do meu amigo Elcio Douglas que dispensa apresentações.
Na ultima hora se juntaram a nós o Alvaro Vitto e Jonathan de Curitiba que tinham interesse em conhecer a  pouco conhecida e nada frequentada face leste do Ferraria e ao ver minha postagem de ultima hora no face, entraram na pilha da travessia.
A logístca pensada por nós  era um trajeto cronometrado com horários e cumes a cumprir que não permitiam folga de tempo nem mudança alguma com o risco de não cumprir o objetivo no tempo necessário e estipulado. Todos cientes disso sabiam que  seria preciso muito foco e persistência além da resistência para não ceder ao cansaço e ideias de desistências nos cruzos . O tempo monitorado durante a semana indicava chuva e períodos de nublados nos dois dias com riscos de trovoadas, tempo quente e claro  tinha as jararacas e outros bichos  peçonhentos , o calor e a preucupação com o peso das cargueiras pelo esforço extremo a que seriamos submetidos.
Mas aqui a formatação a que chegamos : saída do Bolinha à 01 da manhã em direção ao Camapuã, o primeiro e exaustivo cume , na sequencia subindo  o Tucum , cume  Cerro Verde bem cedo , poucas paradas pra lanche e abastecimento de água , seguindo pro Itapiroca aonde alcançaríamos o cume às 11 hs ,  já na metade do dia ,descida até o cruzo do Caratuva, subida do Caratuva no meio da tarde e ainda na sequencia alcançar o cume do Taipabuçu  no fim da tarde onde seria feito o pernoite em duas barracas . Para o domingo ficaria a descida do Taipá , subida do Ferraria e descida ao meio dia da face leste do Ferraria, previsão de chegada na Estrada da Conceição ás 17 hs para então caminhar até a fazenda onde o Gera nos esperaria com a Van para o resgate.  Resumindo 6 cumes no primeiro dia e ascensão ao Ferraria , descida face leste e estrada da Conceição no domingo com tempo de pegar os 400 km até Floripa.
E foi exatamente assim que aconteceu, saímos 0:40 da fazenda do Bolinha em direção ao Camapuan, os relâmpagos e trovodas nos acompanharam  a trilha e subida da  rampa embora sem chuva, a visão dos relâmpagos enquanto subiamos na noite ainda a laje dessa montanha impressionava e dava um certo clima de tensão, ainda mais pra mim que passei uma noite pavorosa de raios no cume dessa mesma montanha em 2011. Mas ninguém dizia nada, nem questionava, a determinação era dominante no grupo e todos seguiram até o Tucum com mínimo de paradas a não ser para reabastecimento de água. Já amanhecia no cume do Tucum e seguimos pro Cerro verde , já era claro quando passavamos pelo vale entre o Tucum e Cerro e na subida o calor já aumentava e a sede também mas tocamos até o cume onde chegamos cerca de 8 hs , batemos as primeiras fotos, admiramos toda a maravilha daquele lugar que é quase um santuário .

 Tocamos em frente pra transição à direita que vai pro Itapiroca e começamos a descer o vale . Em um certo ponto o  feliz e inusitado encontro com o Elcio, Mildo, Jurandir e Fred que iam em direção a Graciosa, eles estavam realizando a inédita PP-Graciosa de ataque, uma loucura como tantas idealizadas pelo Elcio . Deu-se o encontro de duas travessias punks em sentido contrário nós  na 7C e Elcio e Cia na  PPGRA, dois grupos extremamente determinados e focados em cumprir seus objetivos mas que não se incomodaram de perder minutinhos preciosos desejando boa sorte e tirando a foto de registro.

 E tocamos em direção ao cume do Itapiroca, ô subidinha puxada e enroscada, que não termina nunca, mas enfim às 11:30 chegamos ao cume, esses horários são uma média.
No Itapiroca o tempo fechou, muita chuva e vento gelado começou a castigar a galera, alguns começaram a mudar o semblante mas nada de desânimo e falamos pra  nem pensar muito e continuar em frente, descemos o Itapiroca e pegamos  a direção do cruzo do Caratuva ,  na descida me deparei com um galego de chapéu de cowboy que logo reconheci como sendo o Marcio Olesko  que eu só conhecia do face assim como seus  dois amigos , foi reconhecimento mútuo , aperto de mão e boa sorte e tocamos pro cruzo do Caratuva.  A chuva  havia desmotivado o Alvaro e Jonathan que no cruzo do Caratuva resolveram desistir de seguir adiante e se despediram de nós alegando que para eles a travessia das fazendas já estava de bom tamanho e ainda nos emprestaram um saco de dormir e isolante pra reforçar o acampamento de logo mais a noite , já que a chuva e vento ameaçavam uma virada no tempo. O pessoal da Equipe estava bem  inteiro e fechado em cumprir a travessia e assim sem nem pestanejar apesar do cansaço e roupas enxarcadas (como no meu caso e do Dunga os mais precários de roupa de frio)  seguimos em frente aquecendo o corpo com a pernada em ritmo intenso. Talvez pelo cansaço extremo a subida do Caratuva parecia não terminar mais, ô subidinha que castiga com sua encosta íngreme e trechos de escalaminhadas verticais que não acabam, mas tudo acaba e essa subida também rsrs nesse ponto eu estava com cansaço extremo e muita fome, as bolachinhas, salames, sucos e gel repositores de energia simplemente eram sugados pelo corpo em minutos e o cansaço tomava conta. Cheguei no cume num estado  de fadiga intensa  , sentindo o corpo amortecido , câimbras e a pressão baixando pelo calor da subida intensa . Parei antes das antenas junto com a Vivi  pra respirar um pouco , tiramos fotos e seguimos até as antenas,  sem pensar muito resolvemos tocar pro ultimo objetivo do dia: Taipabuçu.



Desce piramba, e das boas pra pegar a trilha pro Taipa, essa decidinha é sempre  perigosa, mas com o cansaço ficou ainda pior pros meus joelhos, escorreguei um par de vezes naquelas folhas e barro que deslizam mais que pista de patinação e assim entre tombos e derrapadas fomos descendo a crista até a pedra da faca .
Se a  descida é tensa  a subida é cansativa ,  trechos bem fechados, túneis de taquara que fazem rastejar o corpo cansado e assim tudo foi ficando mais pesado, estávamos eu a Vivi e já não ouvíamos o Chico,  Dunga e Evaldo que deviam estar bem adiantados, duvidas de onde eles estariam e se estava tudo ok começaram assombrar os pensamentos,  teriam ido até o cume? Gritamos por eles em alguma clareiras mas a resposta não vinha e nem enxergávamos sinal deles, não havia motivo de preucupação maior, mas o desejo de nos juntarmos e o fato deles carregarem panela pra fazer uma comidinha quente coisa que lembrei que nenhum de nós três levava nos desanimava caso não encontrássemos eles até o local de parada , que era o cume do Taipá. Já perto do cume lembrei que a louca da Vivi havia levado uma lata de milho(!!) e que em últimos casos poderíamos cozinhar o miojinho ali, mas não foi necessário, nossos guerreiros da dianteira estavam ali no cume já com barracas montadas  e instalados. 

Ficamos os 6 distribuidos em 2 barracas, o Evaldo o mais radical  da Equipe,  bivacou do lado de fora mas debaixo de uma lona e assim cerca de 5 min depois de chegarmos no cume o céu desabou numa chuva pesada , grossa e com rajadas de vento. Ficamos quietos abandonados ao cansaço pra só cerca de 1 hora depois cozinhar o miojinho com lingüiça calabresa e queijo ralado acompanhado de suco de uva, depois disso foi um desmaio só até o próximo dia.
Dia seguinte nasceu bonito, segundo o Evaldo que acordou antes dos outros, mas derrepente fechou completamente e antes de desmontarmos acampamento já estava um vento e chuva e tudo cinza ou branco, eita porraaaa...rsrsrs simbora descer o Taipa e tocar pro Ferraria que ainda tinha coisa. E como diz o Dunga: “Se larguemo” (sotaque gaudério)  pro Ferraria!

Descida , vale,  e já na transição mais exercício de rastejar por tuneis de taquara, quiçassa boa essa, que mesmo cortada pelos que passam nasce mais forte e fecha de novo, desta vez não encontrei nenhuma amiga jararaca, mas olhava meio desconfiada pois sei que ali é lotado dessas minhas parentes reptilianas....vai que elas me estranham !
A subida do Ferraria é bonita e
bem demarcada até o cume praticamente, só complica um pouco em um crux de pedras que tem que subir já na finaleira antes do cume, mas um pouco de cuidado e o uso de uma corda (meia boca) ajuda a transpassar esse obstáculo. Finalmente na corcova mais nervosa do dragão. O Ferraria é piramidal e muito bonito, é sempre emocionante pisar ali, pois é remoto, pouco acessado e realmente  exclusivo e charmoso... além de claro a visão diferente do PP, Taipa , Ferreiro etc... Estava visual aberto ,  total e vista limpa  da descida da face leste que iríamos fazer a seguir. Eram 11 hs  e após nos refazermos da emoção de pisar no sétimo e almejado cume da travessia, tirando algumas fotos e simplesmente contemplando todo o visual, fizemos um almoço /lanche reforçado  no cume pra iniciar a descida da longa crista já perto das 13 hs.Já tinha de descido a face leste outras vezes , mas sempre final de tarde já escurecendo o que além de tornar a descida meio tensa , me impedia de realmente aproveitar visualmente toda a complexidade e diversidade dessa trilha sensacional...resolvi aproveitar e deixar a câmera a mão pra registrar, e assim após algumas recomendações gerais iniciamos a descida.
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A primeira parte dessa decida é realmente meio tensa pois depois de 30 minutos de muita piramba se chega numa testa de pedra ou um degrau onde estão afixadas algumas cordas de auxilio mas que mesmo assim exige bastante atenção e cuidado pois ao rapelar por elas é difícil enxergar onde apoiar os pés ao descer, fora que com o peso da cargueira sendo essa parte vertical mesmo qualquer descuido a queda pode ou até fazer rolar crista abaixo, ali não se pode errar e o cuidado deve ser redobrado.  Embora eu tenha avisado sobre essa pedra fiquei sabendo que todos meio que foram surpreendidos pela dificuldade , sendo que o Dunga chegou a cair e ficar dependurado pela velocidade que vinha na descida sem conseguir frear a tempo , a Vivi escorregou a mão da corda acabando por cair sentada no fim dela (KKK) e assim cada um teve um probleminha ..no meu caso como sempre quase desmunhequei pois prendi a mão num dos nós e depois não conseguia soltar pelo peso do corpo e cargueira ...mas enfim, passamos todos sem nada de maior importância...



A continuação da descida são duas corcovas ou montes pequenos , lugares fantásticos onde vc se sente quase pilotando a corcova dessa montanha, a visão de cima dessas corcovas onde o  paredão e abismo estão tão próximos de vc  nesse lugar tão remoto s trás um sentimento de unidade entre vc e a montanha e a impressão  de fazer parte daquela grandiosidade toda, só indo pra entender, fotografei mas não chega a passar o que realmente é!






O resto da descida é longa , sempre alinhando em algumas parte e logo adiante mais pirambas , há muitas sequencias assim até que após horas de descida se chega ao vale próximo à estrada da conceição, a trilha esta relativamente aberta e demarcada com fitas suficientes pra que qualquer montanhista experiente possa descer sem risco algum, nas partes confusas é usar dessa experiência pra achar a continuação da trilha, nada complicado, o que mais faz diferença é descer de dia ou de noite,  as vezes que desci de noite foi bem tenso , já esta com luz do dia foi extremamente tranquila.
Chegamos na estrada da conceição entre 17 e 18 hs,  a estrada estava melhor que da ultima vez, com mato mas não da altura de uma pessoa e logo alcançamos a ponte Indiana Jones onde  não deixei de tomar meu banho de rio sagrado, que me tirou todas as dores musculares e me renovou pra longa caminhada que tinha pela frente até a fazenda.



Já no fim o Gera veio ao nosso encontro  para o resgate da equipe na fazenda onde todos sentimos o alivio da missão realmente cumprida, o ano de 2013 estava realmente fechado com chave de ouro.  A 7C mais uma vez havia sido concluída com êxito e nos recompensado com toda a aventura, adrenalina e desafio que o povo das montanhas  tanto busca.  Que venha 2014!







Distancia total da travessia : 32 Km

7 Cumes : Camapuan  - 1720 mts
                 Tucum - 1.740 mts
                 Cerro Verde - 1.680 mts
                 Itapiroca - 1.805 mts
                 Caratuva - 1.860 mts
                 Taipabuçu - 1.748 mts
                 Ferraria - 1.760  mts

Na estrada da Conceição da Ponte Indiana Jones até a fazenda - 7 Km





              

6 comentários:

  1. Ano passado fiquei só na vontade de fazer essa travessia devido a falta de parceiro, mas este ano ela não escapa, rsrs. E depois de ler seu relato com riqueza de detalhes como sempre, vou fazê-la nem que seja solo. Parabéns!!!

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    1. Faça mesmo Anderson, e essa é pra poucos! Mas veja se arranja parceria, principalmente a descida da Crista é bem extensa , muitas jararacas ali e na estrada da conceição, não aconselho fazer sozinho , imprevistos acontecem, mas tudo vale a pena! Obrigado por prestigiar o blog..abração!

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  2. Narrativa fantástica. Deu uma vontade imensa de ter feito parte desta aventura. A das fazendas já fiz e o 7C está na minha lista pra este ano.

    Parabéns pela aventura e pelo relato!!!

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  3. Edmilson, legal que vai se aventurar então, fico feliz, é uma preucupação que tão pouca gente pise principalmente na face leste do Ferraria, um excelente trabalho feito pelo Jamil e os cachorrões que abriram a trilha, mas é preciso continuar andando por lá para que ela não feche! Abração!!

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  4. Deixo convite lançado pra quem quiser ir comigo, é só marcar uma data...

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  5. Diana mais uma vez parabéns pela conquista, fazer essas montanhas nao é para qualquer um, parabéns mesmo. Verdadeiros montanhistas que desafia a si mesmo para vencer.

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