segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ciririca: Desafio na Serra do Ibitiraquere


Placas do Ciririca

Já fazia um ano que eu  e um grupo de amigos que gostamos de fazer montanha vinhamos alimentando a idéia embora temerosos de enfrentar o tal  “K2 paranaense” como ele é conhecido . Animados por alguns perrengues no PP (Pico Paraná) , Monte Crista, e outras montanhas de respeito que tínhamos enfrentado trilha sob condições adversas( como chuva e mau tempo), resolvemos incluí-lo em nosso currículo montanhístico como desafio e conquista almejada.
Foram várias as datas marcadas, mas sempre de ultima hora alguém considerava arriscado, que o tempo não era propício, que era melhor fazer um planejamento seguro, que 2 dias era pouco (tinha que ser num feriado) que haviam outras montanhas a conhecer antes de enfrentar o K2 da serra do Ibitiraquere, enfim...o grupo queria,  mas ainda era  tímido na decisão.
Finalmente a idéia amadureceu, e de tanto falarmos do quanto o Ciririca ia tomando ares míticos para nós, resolvemos que era melhor enfrentar isso logo.
A data finalmente parecia agradar a todos e pra selar a garantia de que o momento era o certo, a previsão para esse fim de semana (13,14 e 15 de julho de 2012) era perfeita, trilha seca no sábado e amanhecer ensolarado no cume com alguma possibilidade de chuva somente no fim da tarde de domingo quando já estaríamos retornando à  fazenda do bolinha.
Eu tinha lido muito relatos sobre o Ciririca e conversado via internet com  montanhistas super experientes , além de pesquisar o clima, os trechos mais perigosos e tudo que envolvesse o Ciririca.
O grupo tinha em comum a parceria para aventuras sendo alguns  montanhistas, alguns escaladores de rocha como tbém praticantes de trekking. Embora o currículo do grupo como um todo incluísse montanhas  como Pico Paraná, Cambirela, Pico do tabuleiro e Monte Crista , nenhum havia enfrentado uma mais agressiva como o temido Ciririca, famoso por suas rampas com trechos de rocha exposta e íngremes  a vencer na investida ao cume.
Marcada a data, começamos o planejamento, incluindo estudo da trilha, trekking no GPS, dicas valiosas de montanhistas experientes e check list de mochila além de uma reforçada no equipamento de montanha pra enfrentar tudo da forma mais tranquila.
De minha parte tratei de preparar o psicológico , pois já estava meio ansiosa com tantos relatos  do quanto o Ciririca metia medo, e como todo medo só se mata enfrentando resolvi  me dar essa chance.
Chegada a hora , como combinado partimos de Van empolgados e ansiosos com a aventura que nos esperava e certamente nos orgulharia em vencer , pegamos o Gera num ponto de encontro perto de Curitiba  e fomos pernoitar no Tio Doca já com cargueiras prontas e disposição pra chegar na montanha do Bolinha as 5 da manhã gelada . A previsão era de geada e muito sol ,portanto prometia  noite estrelada e provável amanhecer na montanha ensolarado com sorte mar ou cascata de nuvens...
Depois de um reforçado café da manhã partimos pra fazenda, ainda escuro tivemos a visão desanimadora de uma fileira de carros no estacionamento. Já tínhamos sido advertidos que a montanha mais remota e pouco frequentada do Paraná inusitadamente  ia ser visitada por um grupo de montanhistas para um evento no cume ,  estávamos meio apreensivos pela falta de lugar pra montar barraca, mas aquela fileira de carros indicava gente demais na montanha...


Botamos pé na trilha 5 hs , rádios ligados , alguns com GPS, lanterna na cabeça e cargueira nas costas, bastões de caminhada,  nos metemos na mata escura e gelada que fazia nossa respiração condensar no ar.
A trilha do Ciririca até o cruzo é a mesma que leva ao Tucum e Camapuã, começa por bosques exuberantes, cruzando um riacho e serpenteando por entre a mata onde árvores gigantescas causam assombroo pela espessura e tamanho do tronco.  Logo um trio de Curitiba nos alcançou dizendo que fariam bate e volta , estavam sem cargueira e com passo bem mais rápido que nós e após breve papo e desejos de boa sorte sumitram na nossa frente. Depois de 2 horas de caminhada lenta sempre subindo chegamos a esse ponto ou cruzamento onde há duas placas , a da esquerda  indica o Tucum e a direita o Ciririca que sempre causa calafrios e parece dizer : pra direita só os fortes e...malucos hehehe.  No grupo cada um ia no seu ritmo alguns bem mais rápidos e outros mais lentos , como eu  que  tenho ligamento posterior rompido no joelho que me faz ter menos equilíbrio, menos  firmeza na pisada da perna direita,como boa taurina isso não me impede de continuar essa sina de subir montanha e se meter no maio do mato . Chegamos antes das 8 no cruzamento onde os mais rapidinhos já tinham chegado. A hora tinha chegado, agora era pro Ciririca de fato, dia claro combinamos de fazer nosso primeiro lanchinho no poço das fadas que é onde se chega após descer  trechos íngremes de desescalaminhada em raízes . E foi lá que nos reunimos novamente . Para o grupo mais rápido devia ser chato interromper a caminhada pra esperar os retardatários mas conforme combinamos, nada de nos separarmos afinal a trilha era traiçoeira em certos trechos e todo cuidado era pouco.  (Na verdade depois constatamos que embora confusa em certas partes a trilha é toda bem marcada por fitas) .
Vencida essa etapa o próximo ponto de parada e união de todos  foi a Pedra da corda, o Diego e Ruan desceram primeiro a rocha vertical onde estão afixadas duas cordas numa descida de 5 metros aproximadamente, o suficiente pra causar cólicas em alguns, sinceramente não me assustei como pensei, após os meninos, todos descendo com facilidade até porque escalam em rocha tbém , foi a Juliana e quando chegou na Teresinha causou um certo stress já que a bota dela não encaixava na única fenda onde ela poderia colocar o pé para apoiar na descida, mas com calma e ajuda ela venceu essa etapa, minha descida foi tranquila  .
Diego na Pedra da Corda


Já estávamos todos com fome e o ponto marcado pra lanchar foi a cachoeira do professor, onde todos já estavam bem cansados mas  após nos alimentarmos  e descansarmos já revigorados  ainda tivemos  disposição pra tirar fotos, feito isso  novamente o grupo dos rápidos sumiu na frente e os outros iam bravamente tentando não distanciar tanto. O Gera ,o mais experiente de todos em trilhas e montanhas no Paraná sempre preocupado em dar as dicas pra nós da retaguarda sobre trechos duvidosos e confusos de seguir na trilha. A dupla Diego e Ruan sempre muito solícitos em ir à frente guiando a todos na dianteira...
A Terezinha, mais habituada a trilhas de Floripa, estava estreando nas montanhas do paraná justo no Ciririca, mas nunca reclamou e foi extremamente guerreira. Tom também de Floripa  já conhecia o Tucum, mas sempre disposto acompanhava bem o ritmo extenuante dessa  caminhada sem fim.
Diana na Cachoeira do professor

Em certo ponto, um grupo de 3 montanhistas passou por nós e ao ser perguntado quanto de estimativa até o cume, nos respondeu 4  ou 5 horas o que meio que desanimou alguns que esperavam já estar mais adiantados, pra mim que já tinha lido mil relatos sabia que ainda não era hora de pensar em cume e sim em chegar no “ última chance”.
Ultima chance é o nome do ultimo ponto de água boa , por isso o nome, mas alguns dizem ser o último ponto de desistência antes de enfrentar a real subida ao Ciririca.
O trecho entre a cachoeira do professor e o ultima chance pra mim foi o mais extenuante.. novamente subidas e descidas intermináveis por vales e encostas de morro é de deixar qualquer um abalado psicologicamente, além do ambiente naturalmente assustador com vales profundos e emaranhados de taquaras que travam toda hora a cargueira e fazem o mais paciente dos viventes praguejar ao tentar se soltar.
A temida rampa do Ciririca, aquele pontinho branco é um coitado subindo a rampa ...
Simbolo da travessia mais dificil do Brasil: Alpha Crucis
Finalmente chegamos ao ultima chance, após avistar o marco da travessia mais difícil e longa do Brasil  “Alpha Crucis” avisei a todos que dali pra frente era “só alegria” já que finalmente ficaríamos frente a frente com Ciririca . Nos alimentamos e após abastecer cantiis, garrafas de água  , todos com 4 litros em média a mais de peso pela água e um breve descanso animados com a perspectiva de ver a cara do bicho nos metemos  na trilha de novo, dessa vez subindo e que logo adiante saímos  em um campo de altitude aberto, ali podendo avistar  o Ciririca  e suas rampas.
Eu já estava curiosa em ver as tais rampas e tive a sorte de ver um grupo de montanhistas vencendo as rochas expostas e íngremes pesadamente e lentamente com cargueira nas costas, como já estava preparada psicologicamente e tinha o alívio de que meu heroico marido pensando na minha segurança e dos demais tinha levado uma corda pois caso houvesse um escorregão a corda seria salvadora.  Palmas pra ele pois após vencer o trecho aberto e entrar na mata de novo , mais adiante vc sai e dá de cara com elas , as rampas, sendo tudo ou nada, os mais rápidos já haviam vencido a rocha exposta e tinha chegado nossa vez , de cargueira subiu facilmente o primeiro lance de rocha, animada fui atrás vencendo também esse primeiro lance , logo adiante estava o Gera com cara super preocupada e o Tom também que haviam ficado pra ajudar se preciso. Logo depois desse primeiro lance de rocha , mesmo animada me dei conta que o segundo era meio tenebroso e ao invés de passar perrengue desnecessário pedi a corda  que fez a segurança e desta forma subi facilmente os outros lances de pedra, segurando na corda. Na realidade a pedra tem aderência boa e mais mete medo que outra coisa, já que com calma e confiança  , a pedra estando seca é possível vence-las, mas o risco de resvalar existe então todo cuidado é pouco.
Vencida as rampas na rocha a trilha continua rumo ao cume por uma crista e depois mais um trecho íngreme que parece não acabar nunca , tirando do mais animado ser da face da terra qualquer expressão de alegria, a subida é cansativa o cume parece inalcançável , no meu caso eu tinha uma alegria de ter vencido tantas etapas e como estava tranquila pude admirar a silhueta maravilhosa do Pico Paraná no entardecer, com uma névoa fina deixando a visão mais surreal ainda.
Mas até eu e minha empolgação perderam força na investida final já que a preocupação por lugar para por barraca , começou a aumentar ao  ver mais um  grupo de montanhistas chegando atrás de nós e no nosso encalço com a mesma intenção de encontrar espaço de acampamento.
Cansaço , preocupação com espaço terminaram por me vencer , mas inesperadamente surgem as placas do Ciririca e uma emoção enorme me invade....aperta agarganta e até vontade de chorar eu tive..não pelas placas, mas porque inesperadamente a visão delas tão perto de mim significou  a vitória de uma batalha de meses, ansiedade, medo, estudo e noites sonhando com o momento em que eu estaria cara a cara com o dragão  do Ibitiraquere. 
Vista já no ataque final ao cume

Eu na adrenalina da chegada
Não pensei mais nada e dei meu grito de vitória junto aos  amigos que nos  nos esperavam animados e orgulhosos por estarem com o pé no lombo do Ciririca. O Ruan documentou a chegada e nesse instante o por do sol mais lindo deu um show  nas alturas , minha máquina não funcionou e de emoção não lembrei de assinar o livro do cume, mas isso podia ficar pra amanhã, depois do glorioso amanhecer na montanha que eu tanto ansiava.
Enquanto  montava a barraca no lugar em que o  Tom e Gera gentilmente reservavam pra nós embaixo da segunda placa, no total haviam 24 pessoas no cume incluindo um grupo de policiais florestais com uma bandeira do Brasil hasteada. Barraca montada , fotos do por do sol , vimos um casal encima das placas se beijando, depois fui saber que a mocinha tinha sido pedida em casamento naquela momento... Surpresa pouca é bobagem e no momento do por do sol um imenso “X” de fumaça se formou bem acima do cume, parecendo marcar o lugar de alguma forma, 5 objetos voadores passaram acima do X (aviões? Não sei pois não piscavam....)
Fizemos o jantar quente, macarrão com calabresa e queijo ralado hummmmmm...suco geladinho da água de cachoeira e caí extenuada sonhando com o amanhecer ensolarado.
A noite caiu e com ela um vento gelado que foi aumentando, mas o céu limpo e estrelado continuou até as 3 da manhã , hora em que acordei e  pude constatar.
Bem mais tarde, silencio na montanha, todos dormindo ,  uma rajada de vento gelada me atinje o rosto, acordei e vi que a capa da barraca voava, ao abrir pra arrumar e descer o fecho da barraca não pude acreditar: chuva, neblina e vento ensurdecedor que batia nas placas, o tempo tinha virado e a história do domingo também!
O resto da história era obvio :  na madruga ventos medonhos , chuva e nevoeiro espesso praticamente expulsaram a todos do cume ,pouco a pouco todos foram desmontando barraca debaixo de chuva e ventos em fúria o que indicava que a coisa não ia melhorar. Após breve debate todos concordamos em sair dali o mais rápido possível , em pouco tempo o cume tinha esvaziado , ultimas fotos do cume branco, sem visibilidade nem das placas, Tom e Gera após nos ajudarem a desarmar rapidamente a barraca foram descendo, policiais e nós dando o fora rapidamente do cume já eram 10:30 de um domingo cinzento e revoltado na montanha.


 Logo chegamos na rampa e a maioria desceu com ajuda da corda dos militares, nós os últimos descemos meio de esquibunda , meio nos agarrando na vegetação lateral e fim de conversa...rumo ao ultima chance ( com todo esse perrengue em formação esquecemos de novo do livro do cume..paciencia ) A trilha da volta foi tensa  todos enfrentaram uma trilha gelada e com chuva, os últimos a sair do cume ,depois da pedra da corda uma trilha noturna gelada , encharcada de chuva e sem visibilidade pelo nevoeiro na profundeza dos vales.   Em nenhum momento nos perdemos, naquela escuridão abismal dos vales agimos com lucidez  e sempre com calma, percebi o quanto valeu meu preparo psicológico de meses pra enfrentar uma situação daquelas, mesmo que ela não estivesse incialmente nos planos já que a previsão indicava tempo limpo. Avançavamos muito lentamente por causa do meu joelho frágil e trilha enlameada e escorregadia.... Houveram trechos tensos principalmente porque a trilha tinha virado pequenos riachos e não fossem as fitas a coisa poderia ter ficado feia, mas tínhamos as pegadas pra nos orientar além das fitas e trechos mais macetados,  pedras sem limos e assim conseguimos vencer heroicamente e sem nenhum nervosismo até o cruzo..vitória!
Ao chegar na fazenda a senhora , nos ofereceu banho quente (maravilhoso) e de roupas secas comemos pastel de carne e queijo( 7 ao todo)  com café quente, manjar dos deuses.
. Eu pessoalmente  tenho orgulho, mesmo mais lenta pelo problema no joelho ,  tive meu mérito pois de longe meu psicológico sempre se manteve positivo e funcionando
Aprendi muitas e infinitas coisas mas uma eu considero a mais valiosa, o psicológico na montanha é que faz a diferença , e quando vc sabe e estuda uma determinada situação vai mais seguro pra mata ou montanha e nada te assusta. Ciririca foi uma prova de fogo.. me sinto como quem deu mais um passo pra domar uma fera e conquistar sua amizade e confiança..no caso a fera não foram as rampas e sim o ambiente hostil da montanha com tempo ruim e a profundeza da mata na noite gelada e molhada , o resto ... bem   rsrsrs  agora é brincadeira de criança...
Localização – Serra  do Ibitiraquere – Campina Grande do Sul - PR
Altitude – 1.760 mt
Acesso – Fazenda do Bolinha 
Tempo de trilha – 8 a 12 hs dependendo do ritmo e condicionamento físico , condições climáticas e peso da mochila.
Nível de dificuldade  - Médio a difícil pelo desgaste físico,  trilha bem marcada por fitas porém trechos que  podem confundir  por atravessar várias vezes o rio,  além do fato que quando chove apaga um pouco a trilha. Muitas escalaminhadas e desescalaminhadas  verticais. Rampas do Ciririca merecem atenção e cuidado especiais embora a rocha tenha aderência, são escorregadias se molhadas.


Diego, Gera, Tom e Terezinha

Diana, Gera e Tom chegando na metade da ultima subida

Vista do Ciririca pro PP



Ruan e eu


placas

Ai cheguei ...




noite no cume, tempo bom ainda

visão que só quem vai no Ciririca tem