Durante o ano de 2013 acabamos montando a Equipe
Tiamat, reunião (em número limitado) de
trekkeiros de Floripa todos indicados, com objetivo de formar uma equipe de
montanhismo que praticasse com regularidade , gostasse do perrengue e assim
teríamos um custo mais baixo pra ir pra montanha e companhia agradável e
competente nas empreitadas pela serra. Deu muito certo, as pessoas que foram sendo indicadas já entravam sabendo que ali
não era grupo de passeio pra tirar foto em dia de sol e tampouco seriam levados pela mão, a responsabilidade era de
cada um contando claro com a orientação dos mais antigos.
Natural que depois de fazermos as montanhas clássicas do Ibitiraquire , Joinville
, Araçatuba , Monte crista, Serra dos Órgãos , Conjunto Marumbi completo, PP , além
de duas idas ao K2 paranaense , o Ciririca (uma de ataque e outra com acamp) o
encerramento tinha que ser algo mais desafiador. insistiu na 7C embora
uma travessia pesadíssima e que exige mais que preparo físico, muito mental e
logística não só pra atravessar as 7 montanhas mas chegar na estrada da
Conceição inteiro pra caminhar mais 7 km (intermináveis) até a fazenda em Bairro Alto.
Como calor de dezembro aumentando e já tendo acontecido a
festinha de encerramento da Equipe na casa do Chico Tessaro em Águas Mornas, os
trabalhos pra mim estavam finalizados. Quando o alguém falava em fazer
a 7C eu desconversava dizendo que a serra já estava perigosa com tanto calor,
bichos peçonhentos e risco de trovoadas
de fim de tarde nos cumes. Mesmo assim a 7C continuava rondando nossas cabeças,
foi marcada umas 3 vezes e desmarcada ,
veio o natal e parecia fora de cogitação ela acontecer, ainda mais com a onda
de calor que se aproximava.
Mas alguma coisa move os mais intrépidos impedindo que estes se acomodem na zona de conforto, , marcamos novamente pros dias 28 e 29 de dezembro e provocou os convocados , escolhidos dentro da equipe : “ quem vai perder de
fechar com chave de ouro a travessia mais nervosa do Ibitiraquire?” Os mais sangue nos olhos nem pensaram duas vezes, deram um passo a frente e
deixaram de lado os planos de fim de ano pra enfrentar seus limites, todos deixaram compromissos
e a tentação de se dar por satisfeito com o ano cheio de conquistas que tivemos
, pra ir enfrentar o maior de todos, a travessia 7C de autoria do meu amigo
Elcio Douglas que dispensa apresentações.
Na ultima hora se juntaram a nós o Alvaro Vitto e Jonathan
de Curitiba que tinham interesse em conhecer a pouco conhecida e nada frequentada face leste
do Ferraria e ao ver minha postagem de ultima hora no face, entraram na pilha
da travessia.
A logístca pensada por nós era um trajeto cronometrado com horários e
cumes a cumprir que não permitiam folga de tempo nem mudança alguma com o risco
de não cumprir o objetivo no tempo necessário e estipulado. Todos cientes disso
sabiam que seria preciso muito foco e
persistência além da resistência para não ceder ao cansaço e ideias de
desistências nos cruzos . O tempo monitorado durante a semana indicava chuva e
períodos de nublados nos dois dias com riscos de trovoadas, tempo quente e
claro tinha as jararacas e outros bichos
peçonhentos , o calor e a preucupação
com o peso das cargueiras pelo esforço extremo a que seriamos submetidos.
Mas aqui a formatação a que chegamos : saída do Bolinha à 01
da manhã em direção ao Camapuã, o primeiro e exaustivo cume , na sequencia
subindo o Tucum , cume Cerro Verde bem cedo , poucas paradas pra
lanche e abastecimento de água , seguindo pro Itapiroca aonde alcançaríamos o
cume às 11 hs , já na metade do dia
,descida até o cruzo do Caratuva, subida do Caratuva no meio da tarde e ainda na
sequencia alcançar o cume do Taipabuçu no fim da tarde onde seria feito o pernoite em
duas barracas . Para o domingo ficaria a descida do Taipá , subida do Ferraria
e descida ao meio dia da face leste do Ferraria, previsão de chegada na Estrada
da Conceição ás 17 hs para então caminhar até a fazenda onde o Gera nos
esperaria com a Van para o resgate.
Resumindo 6 cumes no primeiro dia e ascensão ao Ferraria , descida face
leste e estrada da Conceição no domingo com tempo de pegar os 400 km até Floripa.
E foi exatamente assim que aconteceu, saímos 0:40 da fazenda
do Bolinha em direção ao Camapuan, os relâmpagos e trovodas nos acompanharam a trilha e subida da rampa embora sem
chuva, a visão dos relâmpagos enquanto subiamos na noite ainda a laje dessa
montanha impressionava e dava um certo clima de tensão, ainda mais pra mim que
passei uma noite pavorosa de raios no cume dessa mesma montanha em 2011. Mas
ninguém dizia nada, nem questionava, a determinação era dominante no grupo e
todos seguiram até o Tucum com mínimo de paradas a não ser para reabastecimento
de água. Já amanhecia no cume do Tucum e seguimos pro Cerro verde , já era
claro quando passavamos pelo vale entre o Tucum e Cerro e na subida o calor já
aumentava e a sede também mas tocamos até o cume onde chegamos cerca de 8 hs ,
batemos as primeiras fotos, admiramos toda a maravilha daquele lugar que é
quase um santuário .
Tocamos em frente pra transição à direita que vai pro
Itapiroca e começamos a descer o vale . Em um certo ponto o feliz e inusitado encontro com o Elcio, Mildo,
Jurandir e Fred que iam em direção a Graciosa, eles estavam realizando a
inédita PP-Graciosa de ataque, uma loucura como tantas idealizadas pelo Elcio . Deu-se o encontro de duas travessias punks em sentido contrário nós na 7C e Elcio e Cia na PPGRA, dois grupos extremamente determinados e
focados em cumprir seus objetivos mas que não se incomodaram de perder
minutinhos preciosos desejando boa sorte e tirando a foto de registro.
E
tocamos em direção ao cume do Itapiroca, ô subidinha puxada e enroscada, que
não termina nunca, mas enfim às 11:30 chegamos ao cume, esses horários são uma
média.
No Itapiroca o tempo fechou, muita chuva e vento gelado
começou a castigar a galera, alguns começaram a mudar o semblante mas nada de
desânimo e falamos pra nem pensar muito
e continuar em frente, descemos o Itapiroca e pegamos a direção do cruzo do Caratuva , na descida me deparei com um galego de chapéu
de cowboy que logo reconheci como sendo o Marcio Olesko que eu só conhecia do face assim como
seus dois amigos , foi reconhecimento
mútuo , aperto de mão e boa sorte e tocamos pro cruzo do Caratuva. A chuva
havia desmotivado o Alvaro e Jonathan que no cruzo do Caratuva
resolveram desistir de seguir adiante e se despediram de nós alegando que para
eles a travessia das fazendas já estava de bom tamanho e ainda nos emprestaram
um saco de dormir e isolante pra reforçar o acampamento de logo mais a noite , já
que a chuva e vento ameaçavam uma virada no tempo. O pessoal da Equipe estava
bem inteiro e fechado em cumprir a
travessia e assim sem nem pestanejar apesar do cansaço e roupas enxarcadas (como
no meu caso e do Dunga os mais precários de roupa de frio) seguimos em frente aquecendo o corpo com a
pernada em ritmo intenso. Talvez pelo cansaço extremo a subida do Caratuva
parecia não terminar mais, ô subidinha que castiga com sua encosta íngreme e
trechos de escalaminhadas verticais que não acabam, mas tudo acaba e essa
subida também rsrs nesse ponto eu estava com cansaço extremo e muita fome, as
bolachinhas, salames, sucos e gel repositores de energia simplemente eram
sugados pelo corpo em minutos e o cansaço tomava conta. Cheguei no cume num
estado de fadiga intensa , sentindo o corpo amortecido , câimbras e a
pressão baixando pelo calor da subida intensa . Parei antes das antenas junto
com a Vivi pra respirar um pouco ,
tiramos fotos e seguimos até as antenas, sem
pensar muito resolvemos tocar pro ultimo objetivo do dia: Taipabuçu.
Desce piramba, e das boas pra pegar a trilha pro Taipa, essa
decidinha é sempre perigosa, mas com o cansaço ficou ainda pior pros
meus joelhos, escorreguei um par de vezes naquelas folhas e barro que deslizam
mais que pista de patinação e assim entre tombos e derrapadas fomos descendo a
crista até a pedra da faca .
Se a descida é tensa a subida é cansativa , trechos
bem fechados, túneis de taquara que fazem rastejar o corpo cansado e assim tudo
foi ficando mais pesado, estávamos eu a Vivi e já não
ouvíamos o Chico, Dunga e Evaldo que
deviam estar bem adiantados, duvidas de onde eles estariam e se estava tudo ok
começaram assombrar os pensamentos,
teriam ido até o cume? Gritamos por eles em alguma clareiras mas a
resposta não vinha e nem enxergávamos sinal deles, não havia motivo de
preucupação maior, mas o desejo de nos juntarmos e o fato deles carregarem
panela pra fazer uma comidinha quente coisa que lembrei que nenhum de nós três
levava nos desanimava caso não encontrássemos eles até o local de parada , que
era o cume do Taipá. Já perto do cume lembrei que a louca da Vivi havia levado
uma lata de milho(!!) e que em últimos casos poderíamos cozinhar o miojinho ali,
mas não foi necessário, nossos guerreiros da dianteira estavam ali no cume já
com barracas montadas e instalados.
Ficamos os 6 distribuidos em 2 barracas, o Evaldo o mais
radical da Equipe, bivacou do lado de fora mas debaixo de uma
lona e assim cerca de 5 min depois de chegarmos no cume o céu desabou numa
chuva pesada , grossa e com rajadas de vento. Ficamos quietos abandonados ao
cansaço pra só cerca de 1 hora depois cozinhar o miojinho com lingüiça
calabresa e queijo ralado acompanhado de suco de uva, depois disso foi um
desmaio só até o próximo dia.
Dia seguinte nasceu bonito, segundo o Evaldo que acordou
antes dos outros, mas derrepente fechou completamente e antes de desmontarmos
acampamento já estava um vento e chuva e tudo cinza ou branco, eita porraaaa...rsrsrs
simbora descer o Taipa e tocar pro Ferraria que ainda tinha coisa. E como diz o
Dunga: “Se larguemo” (sotaque gaudério)
pro Ferraria!
Descida , vale, e já na transição mais exercício de rastejar
por tuneis de taquara, quiçassa boa essa, que mesmo cortada pelos que passam
nasce mais forte e fecha de novo, desta vez não encontrei nenhuma amiga
jararaca, mas olhava meio desconfiada pois sei que ali é lotado dessas minhas
parentes reptilianas....vai que elas me estranham !
A subida do Ferraria é bonita e
A primeira parte dessa decida é realmente meio tensa pois depois de 30 minutos de muita piramba se chega numa testa de pedra ou um degrau onde estão afixadas algumas cordas de auxilio mas que mesmo assim exige bastante atenção e cuidado pois ao rapelar por elas é difícil enxergar onde apoiar os pés ao descer, fora que com o peso da cargueira sendo essa parte vertical mesmo qualquer descuido a queda pode ou até fazer rolar crista abaixo, ali não se pode errar e o cuidado deve ser redobrado. Embora eu tenha avisado sobre essa pedra fiquei sabendo que todos meio que foram surpreendidos pela dificuldade , sendo que o Dunga chegou a cair e ficar dependurado pela velocidade que vinha na descida sem conseguir frear a tempo , a Vivi escorregou a mão da corda acabando por cair sentada no fim dela (KKK) e assim cada um teve um probleminha ..no meu caso como sempre quase desmunhequei pois prendi a mão num dos nós e depois não conseguia soltar pelo peso do corpo e cargueira ...mas enfim, passamos todos sem nada de maior importância...
A continuação da descida são duas corcovas ou montes pequenos , lugares fantásticos onde vc se sente quase pilotando a corcova dessa montanha, a visão de cima dessas corcovas onde o paredão e abismo estão tão próximos de vc nesse lugar tão remoto s trás um sentimento de unidade entre vc e a montanha e a impressão de fazer parte daquela grandiosidade toda, só indo pra entender, fotografei mas não chega a passar o que realmente é!
O resto da descida é longa , sempre alinhando em algumas
parte e logo adiante mais pirambas , há muitas sequencias assim até que após
horas de descida se chega ao vale próximo à estrada da conceição, a trilha esta
relativamente aberta e demarcada com fitas suficientes pra que qualquer
montanhista experiente possa descer sem risco algum, nas partes confusas é usar
dessa experiência pra achar a continuação da trilha, nada complicado, o que
mais faz diferença é descer de dia ou de noite,
as vezes que desci de noite foi bem tenso , já esta com luz do dia foi
extremamente tranquila.
Chegamos na estrada da conceição entre 17 e 18 hs, a estrada estava melhor que da ultima vez, com
mato mas não da altura de uma pessoa e logo alcançamos a ponte Indiana Jones
onde não deixei de tomar meu banho de
rio sagrado, que me tirou todas as dores musculares e me renovou pra longa
caminhada que tinha pela frente até a fazenda.
Já no fim o Gera veio ao nosso encontro para o resgate da equipe na fazenda onde
todos sentimos o alivio da missão realmente cumprida, o ano de 2013 estava
realmente fechado com chave de ouro. A
7C mais uma vez havia sido concluída com êxito e nos recompensado com toda a
aventura, adrenalina e desafio que o povo das montanhas tanto busca.
Que venha 2014!
Distancia total da travessia : 32 Km
7 Cumes : Camapuan - 1720 mts
Tucum - 1.740 mts
Cerro Verde - 1.680 mts
Itapiroca - 1.805 mts
Caratuva - 1.860 mts
Taipabuçu - 1.748 mts
Ferraria - 1.760 mts
Na estrada da Conceição da Ponte Indiana Jones até a fazenda - 7 Km